Consolidação de mapas antes da conclusão dos processos de demarcação impede produtores rurais de acessar crédito oficial e contratar seguro agrícola

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados promoveu audiência pública nesta sexta-feira (1) para debater o impasse envolvendo os mapas produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que consideram como terras indígenas áreas que ainda permanecem sob judice. Essa situação tem provocado uma série de problemas para os produtores rurais que hoje detêm a posse dessas terras, que vão desde a exclusão do acesso ao crédito oficial até o impedimento de contratação do seguro agrícola. “Essas terras estão erroneamente declaradas como áreas indígenas. Por esse motivo, o sistema bancário impossibilita a contratação de linhas de financiamento bancário para esses proprietários de terras”, explicou o parlamentar.
Esse é o caso do município gaúcho de Getúlio Vargas, que vive a realidade da disputa pela demarcação da terra indígena do Mato Preto. O prefeito da cidade, Maurício Soligo, esclarece que os produtores tiveram que contratar uma assessoria jurídica para apoiar as famílias que enfrentam o problema. “Aqueles produtores que estão respaldados judicialmente ainda estão conseguindo acessar o sistema de crédito oficial. Os que não dispõem desse amparo legal enfrentam sérias restrições. Eu acredito que, sem o processo ter sido julgado, essa área não pode ser identificada como área indígena”, ponderou Soligo, que entende que até o momento existe apenas uma pretensão administrativa para a demarcação.
Presente à audiência pública, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, revelou em números o tamanho do problema. Segundo ele, hoje há 491 pedidos de reivindicação de terras indígenas, que envolvem um total de 253 milhões de hectares em todo o país. Em estudo, existem 121 áreas. Em fase de declaração e delimitação são 10 milhões de hectares. Já as terras indígenas regularizadas ou homologadas somam outros 107 milhões de hectares. “Hoje nós temos em áreas indígenas no Brasil o equivalente aos territórios de Portugal, Espanha, França e Suíça. Se nós formos imaginar que o marco temporal será mudado com o tema de repercussão geral 1031, em discussão do Supremo Tribunal Federal, teremos o acréscimo de Alemanha, Itália, Hungria, Sérvia, Grécia e Reino Unido como terras indígenas”, comparou Xavier.
Na avaliação do deputado Jerônimo Goergen, a única solução para resolver um problema desse tamanho é a votação do Projeto de Lei 490/2007, que já está pronto para ser analisado em Plenário. A proposta altera a Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, estabelecendo que as terras indígenas sejam demarcadas por lei. Ou seja, a palavra final sobre o tema passaria a ser do Congresso Nacional. Hoje, essa competência é exclusiva do Poder Executivo, que detém o poder discricionário das demarcações por meio de procedimento administrativo, concedendo plenos poderes à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para executar tal política.

Na avaliação de Jerônimo, uma lei de tamanha relevância para toda a sociedade brasileira não pode ficar 14 anos à espera de votação. O parlamentar explica que as áreas reivindicadas para demarcação envolvem uma série de interesses públicos e privados. “Esses atos administrativos avançam sobre áreas de proteção ambiental, áreas sensíveis para a segurança nacional como as faixas de fronteira, propriedades privadas destinadas à produção agropecuária, aglomerados urbanos e núcleos habitacionais. Temos ainda as localidades ocupadas por obras de infraestrutura como estradas, redes de energia elétrica, telefonia, prospecção mineral e recursos hídricos”, alertou o deputado. Ele acredita que o avanço indiscriminado das demarcações de terras indígenas ameaça a viabilidade econômica de Estados e municípios. “Fica até difícil explicar como conseguimos gerar tanta insegurança jurídica para nós mesmos mantendo o Congresso Nacional de fora deste debate”, acrescenta.
Café da manha com Bolsonaro
Na próxima quarta-feira (6), no Palácio do Planalto, deputados e senadores que integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) terão um café da manhã com o presidente da República, Jair Bolsonaro. O deputado Jerônimo Goergen fará um relato dos apontamentos trazidos pelos participantes da audiência pública na Comissão de Agricultura, e pedirá uma solução técnica para que os agricultores não sejam penalizados. “Diante dos números trazidos pela Funai, não tenho mais dúvidas que existe um movimento articulado de pressão, tanto interno quanto externo, que trabalha pelo avanço indiscriminado das demarcações, a ponto de inviabilizar o crescimento de nossa fronteira agrícola. Temos que defender nossos produtores e nossa soberania alimentar”, alertou o parlamentar.
Marco temporal
Já o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar no dia 26 de agosto se a demarcação de terras indígenas deve seguir o critério segundo o qual os índios só podem reivindicar a demarcação das terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988, o chamado “marco temporal”. O julgamento foi suspenso do dia 15 de setembro depois do pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, quando o placar estava empatado em 1 a 1: o voto do ministro Edson Fachin pela rejeição do marco temporal e o voto do ministro Nunes Marques favorável à tese do marco temporal.

Jerônimo entende que o Congresso Nacional não pode ficar esperando pelo desfecho do julgamento no STF. “Caso a decisão seja contra o direito à propriedade e à produção agrícola, veremos instalado um verdadeiro caos no Brasil. Uma insegurança jurídica que poderá provocar a perda de milhares de empregos no campo. E a consequente cassação das escrituras de posse, levando ao despejo de outras milhares de famílias de suas legítimas propriedades. O Legislativo não pode se omitir em regulamentar a Constituição Federal. A votação do PL 490 é a única saída na minha opinião”, finalizou.
Assista à íntegra da audiência pública promovida pela CAPADR