Regra estabelece o chamado marco temporal e determina que os órgãos de governo devem adotar o entendimento firmado no julgamento do STF sobre a Raposa Serra do Sol

O presidente da República, Michel Temer, assinou, nesta quarta-feira (19), parecer que afeta o processo de demarcação de terras indígenas. A medida, anunciada pela Advocacia-Geral da União (AGU), especifica que todos os órgãos do governo federal deverão adotar o entendimento firmado no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, nesse tipo de processo. O parecer destaca que os indígenas têm direito à terra “desde que a área pretendida estivesse ocupada pelos indígenas na data da promulgação da Constituição (1988)” — o chamado marco temporal.

A medida, conforme o governo, pretende balizar o entendimento dos órgãos envolvidos das demarcações, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), e diminuir os conflitos fundiários envolvendo áreas indígenas. As regras serão aplicadas somente nas demarcações que ainda estão em andamento. De acordo com a AGU, ao decidir sobre a demarcação da TI Raposa Serra do Sol, em 2009, o Supremo definiu que a posse indígena das terras não impede a atuação do Poder Público na área. Dessa forma, podem ser instaladas, sem autorização prévia, redes de comunicação, estradas e equipamentos públicos. As regras também impedem a moradia, caça e pesca de pessoas estanhas às comunidades, além da prescrição dos direitos indígenas às suas terras.

Parecer GAB CGU AGU 1-2017 (Demarcação de Terras Indígenas)

Missão Raposa Serra do Sol
Em 2013, quando era presidente da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) organizou uma missão de reconhecimento para a Raposa Serra do Sol. O grupo contava com a presença de parlamentares, jornalistas e prefeitos. O objetivo da viagem era conhecer a realidade da terra indígena após a polêmica demarcação, que gerou graves conflitos pela posse da área. “O que nós vimos foi muita pobreza, destruição e descaso com os indígenas. No lugar das vastas plantações de arroz, sobrou apenas poeira”, recorda Jerônimo.

O grupo de observadores sobrevoou a reserva e viajou por terra, mostrando a verdadeira face da política de demarcação patrocinada pelos governos petistas. “O parecer assinado pelo presidente da República põe fim à farra das demarcações ao estabelecer regras claras para desapropriações. Não dá mais para inventar laudo antropológico e retirar famílias de produtores que estão assentadas em suas terras, com títulos de propriedades centenárias, que remontam a três ou quatro gerações”, destacou o parlamentar.

Reconhecimento
Jerônimo fez questão de lembrar o trabalho incansável realizado pelo procurador do Estado do Rio Grande do Sul, Rodinei Candeia, um dos primeiros agentes públicos a contestar o processo de demarcação de terras indígenas conduzido pela Funai. Candeia trabalhou na contestação do processo de demarcação da área conhecida como Mato Preto. “O estudo da Funai foi confuso, pois iniciou com um pedido de demarcação de 223 hectares, terminando com a reivindicação de 4.230 hectares para assentar 65 indígenas. O processo administrativo de demarcação está em desacordo com a Constituição Federal, porque não respeita o direito de defesa. A Funai é parte e juiz no mesmo processo. Fez um laudo baseado apenas no ouvi dizer, sem estudo etnográfico. Portanto, nulo e inconstitucional, além de autoritário”, destacou Candeia.

A PGE questionou os laudos antropológicos produzidos pela Funai e a validade do processo administrativo que tramitou na autarquia. Além de Candeia, Jerônimo destacou ainda a participação da equipe técnica da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), na figura do assessor jurídico Rudi Maia Ferraz. “Foi um trabalho de fôlego, que exigiu muitos estudos técnicos e dezenas de reuniões com diversos ministros e agentes do governo ao longo desses anos todos”, lembrou o parlamentar.

Revisão de decretos
No final de junho do ano passado, o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) apresentou na Câmara dos Deputados 29 projetos de decreto legislativo (PDCs) suspendendo decretos assinados pela presidente afastada Dilma Rousseff, que desapropriaram imóveis rurais para reforma agrária e regularização de territórios quilombolas e terras indígenas, que totalizam 826,6 mil hectares (o equivalente a 8,26 mil quilômetros quadrados).

De acordo com Goergen, esses decretos possuem vício de origem e de forma por terem sido publicados próximos à data de votação, na Câmara, da admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma. Para o deputado, os documentos não visaram atender aos beneficiados, “mas apenas marcar a gestão [da presidente afastada] sem a devida análise e discussão do tema”. Para ele, o Executivo não atendeu aos princípios base do ato administrativo (legalidade, impessoalidade e moralidade) e, por isso, as normas são inconstitucionais, além de extrapolarem o poder regulamentar da presidente da República.

Os 29 PDCs já estão sendo votados nas comissões temáticas e muitos deles já foram aprovados, revogando as autorizações para a criação de áreas indígenas.